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OPINIÃO: Nos trilhos da saudade

Nem bem amanhecia o dia, e nós - eu, meus irmãos e minha mãe - já estávamos descendo a Avenida Rio Branco em direção à Estação. A temperatura pouco importava, podia estar frio, quente, a alegria era a mesma. Ao chegar na Gare, sempre tinha muita gente esperando o trem. Depois da espera, se ouvia um longo apito seguido de outro mais curto, o que significava o trem perto da estação. A fumaça da chaminé era vista de longe.

Dentro do trem, a diversão estava garantida, a viagem era curta, íamos até Dilermando de Aguiar, onde morava nossa avó materna, no máximo uma hora de tac-tac pelos trilhos, parando em alguma estação. No caminho, o maquinista sempre apitava para saudar o pessoal ou espantar os animais dos trilhos. O balanço do trem, o ruído que hoje é música saudosa, o apito no caminho, a fumaça fazem parte da memória de todos que tiveram a felicidade de utilizar aquele meio de transporte. Por onde ele passava, trazia e deixava saudade.

Ainda hoje, é mágico viajar de trem. Podemos entrar num avião e, rapidinho, chegar ao destino, mas o trem tem a magia de uma saudade que toca o sentimento, em silêncio. O trem carrega a poesia, a melancolia de um tempo que não volta mais e que guardamos com carinho num recanto da alma. Ainda soam na memória de muitas pessoas aquele apito na curva, a maria-fumaça fumegando ao longe, chegando na estação. Acredito que é como uma metáfora das estações da vida.

Se eu fechar os olhos, consigo ver o trem chegando na estação; se ficar quietinha, ouço ao longe o apito que anunciava a sua proximidade na Estação de Dilermando, que passava em frente à casa da vó Nina e que fazia com que nós, a criançada, corresse para a frente da casa, para abanar para os passageiros que apareciam nas janelinhas. Se concentrar um pouquinho, sinto o balanço e o ritmo do trem sobre os trilhos. A minha alegria durou pouco, logo a linha foi desativada, não foi apenas um desastre econômico e social em nome da ganância e dos melhores lucros. A decadência dos trens trouxe também a tristeza e a melancolia. Essa magia nos permite acreditar que aquele tempo era bom, era diferente, era melhor. A gente sabe que não era bem assim, mas é uma forma de guardar o encanto.

Talvez, isso explique o sucesso dos passeios de trenzinho que têm acontecido por aqui. Primeiro, durante o mês de dezembro, e, depois, no último dia 17 de maio, no aniversário de Santa Maria. Um trenzinho azul e branco, com o R.F.F.S.A, fez a alegria e o encantamento de pessoas de todas as idades. As crianças, porque acreditavam estar num brinquedo, os adultos mais adultos porque queriam viver novamente aqueles momentos que estão em algum canto da memória. Os sorrisos, os olhares não enganam, muitas recordações passeavam junto naquele curto trajeto dentro do Parque da Medianeira.

Contentamento, emoção e saudosismo que nos dão a certeza de que o trem não puxava somente vagões, mas a própria existência de uma cidade. É a saudade da saudade que, por um momento, era possível relembrar, mesmo que num trenzinho numa rua que nada lembra os trilhos de outrora. Que importa.

Como diria Casemiro de Abreu, "Oh! que saudades que tenho, da aurora da minha vida, da minha infância querida, que os anos não trazem mais!" E lá se vai o trem.

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